quinta-feira, 17 de abril de 2014

Três artigos de João Baptista Herkenhoff


Anchieta Santo

                                                          João Baptista Herkenhoff

          Não sou teólogo e não tenho competência para tratar da canonização do Padre Anchieta sob o ângulo teológico. Mas sou capixaba. Além disso fui Juiz Substituto na Comarca de Anchieta. Invoco assim dois títulos para abordar este assunto que está em discussão: 1) a cidadania capixaba; 2) o fato de ter exercido a missão da toga na comarca e município que tem o nome do missionário.
          Comecemos pela cidadania capixaba. Todos os cidadãos do Estado nos sentiremos honrados com a canonização do Beato. Professemos a Fé Católica, ou outra Fé, ou não professemos Fé alguma, em nossos corações pulsará o orgulho de ter nascido neste pedaço de chão brasileiro se a causa da canonização for vitoriosa. Nosso Estado é territorialmente pequeno, um dos menores da Federação, mas nos sentiremos um gigantesco Estado quando pudermos proclamar nossa pertença ao Estado de Santo Anchieta.
          A canonização é um ato solene, de grande valor simbólico. Mas, na verdade, independente dessa proclamação, na alma do povo capixaba já palpita, desde tempos imemoriais, a certeza de que Anchieta é santo, sempre invocado quando pedimos as bênçãos de Deus para o povo espírito-santense. A tradição popular registra milagres obtidos através de sua intercessão.
          Vamos agora ao segundo ponto acima mencionado. Quando exerci a judicatura na Comarca de Anchieta tive sempre a consciência de que estava distribuindo Justiça numa terra santificada pelos passos do Beato. Judicar naquela comarca não era o mesmo que judicar num outro território.
          Não proferi muitas sentenças naquela circunscrição judiciária. Mas num julgamento ali proferido, é possível que centelhas do Apóstolo do Brasil tenham me iluminado. Isto porque concedi habeas corpus a um pescador que manifestou o receio de ser preso. Essa concepção da serventia do habeas corpus para socorrer o simples medo de ser aprisionado, sem que houvesse qualquer fato concreto para justificar o pânico, não tinha precedente na jurisprudência. Remeti o caso para reexame da instância superior, por imposição da lei. A sentença foi confirmada por acórdão de que foi relator o Desembargador Hélio Gualberto Vasconcellos.
          O Governador do Estado exerce suas funções no Palácio Anchieta, antiga sede do Colégio de São Tiago. A primeira ala do colégio foi concluída em 1587 pelo Padre José de Anchieta que veio a morrer dez anos depois e foi sepultado no altar-mor da Igreja de São Tiago. Anchieta ligou-se a nosso Estado pela vida e pela morte. Por estas razões e por outras, a História convoca o Governador Renato Casagrande a assumir a liderança da luta civil em prol da canonização. Cabe-lhe conclamar todas as forças políticas, acima das siglas partidárias, para que sejam um só grito: Anchieta santo.
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João Baptista Herkenhoff, Juiz de Direito aposentado e escritor. Autor, dentre outros livros, de: Filosofia do Direito (GZ Editora, Rio de Janeiro).
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É livre a divulgação deste artigo por qualquer meio ou veículo, inclusive através da transmissão de pessoa para pessoa.

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NOTA DO BLOG REPORTERPAULOMACIEL.BLOGSPOT.COM: Este artigo sobre o Padre José de Anchieta nos foi enviado antes da CANONIZAÇÃO de Anchieta pelo Papa Francisco. Mas resolvemos publicá-lo para mostrar o quão importante é, enfim, termos o nosso SÃO JOSÉ DE ANCHIETA.

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A favor da vida

                                                          João Baptista Herkenhoff

Sou a favor da Vida. Contra o aborto, a pena de morte, a guerra. A favor de políticas públicas que favoreçam o parto feliz e a maternidade protegida. Contra a falta de saneamento nos bairros pobres, causa de doenças e endemias que produzem a morte. Discordo da percepção limitada, embora possa ser honesta e sincera, dos que reduzem a defesa da vida à proibição do aborto quando, na verdade, a questão é muito mais ampla. Abomino a hipocrisia dos que sabem que a defesa da vida exige reformas estruturais, mas resumem o tema a um artigo de lei porque as reformas mexem com interesses estabelecidos e ofendem o deus dinheiro. Sou contra o pensamento dos que não admitem o aborto nem quando é praticado por médico para salvar a vida da mãe, mas aceitariam essa opção dolorosa se a parturiente fosse uma filha. Sou contra a opinião que obscurece as medidas sociais, pedagógicas, psicológicas, médicas que devem proteger o direito de nascer. Reprovo o posicionamente dos que lançam anátema contra a mulher estuprada que, no desespero, recorre ao aborto quando, na verdade, essa mulher deveria ser socorrida na sua dor. Se não tiver o heroísmo de dar à luz a criança gerada pela violência, seja compreendida e perdoada.
Hoje eu debato esta questão doutrinariamente mas, quando fui Juiz, eu me defrontei com o aborto em concreto. Lembro-me do caso de uma mocinha. Quase à morte foi levada para um hospital que a socorreu e comunicou depois o fato à Justiça. O Promotor, no cumprimento do seu dever, formulou denúncia que recebi. Designei interrogatório. Então, pela primeira vez, eu me defrontei com o rosto sofrido da mocinha. Aquele rosto me enterneceu mas não havia ainda nos autos elementos para uma decisão. Designei audiência e as testemunhas me informaram que a acusada tinha o costume de toda noite embalar um berço vazio como se no berço houvesse uma criança. No mesmo instante percebi o que estava ocorrendo. Nem sumário de defesa seria necessário. Disse a ela, chamando-a pelo nome:
“Madalena (nome fictício), você é muito jovem. Sua vida não acabou. Essa criança, que estava no seu ventre, não existe mais. Você pode conceber outra criança que alegre sua vida. Eu vou absolvê-la mas você vai prometer não mais embalar um berço vazio como se no berço estivesse a criança que permanece no seu coração. Eu nunca tive um caso igual o seu. Esse gesto de embalar o berço mostra que você tem uma alma linda, generosa, santa. Você está livre, vá em paz. Que Deus a abençoe.”
A decisão nestes termos, em nível de diálogo, foi dada naquele momento. (Diga-se de passagem que o Juiz deve chamar os acusados pelo nome). Depois redigi a sentença no estilo jurídico, que exige técnica e argumentação.
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João Baptista Herkenhoff é juiz de Direito aposentado (ES), palestrante pelo Brasil afora e escritor. Seu mais recente livro: “Encontro do Direito com a Poesia” (GZ Editora, Rio de Janeiro).
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O que é ser Avô?

                                                          João Baptista Herkenhoff

          O título de Avô é sumamente democrático. Podem ser avô o ministro, o embaixador, o industrial, o funcionário público, o comerciário, o gari. Quando o netinho ou a netinha sorri, o avô, seja rei ou súdito, rico ou pobre, brasileiro ou portador de outra nacionalidade, se desmancha de alegria. Quando o pequenino faz uma arte criativa, o avô e a avó batem palmas incondicionais.
          Dizem que avós deseducam, mas não concordo com esta tese. Por que uma criança não tem direito de dar mel ao gatinho, jogar pela janela os selos que o avô ciosamente colecionava, tirar do armário a grinalda que lembra à avó o dia do casamento para desfilar garbosamente pela casa com aquela coroa na cabeça? Os adultos comuns, adultos ordinários, estabelecem regras autoritárias que os avós, adultos especiais, adultos extraordinários, com muita sabedoria, revogam.
          Como será o mundo que a netinha que me fez avô encontrará, quando se tornar adulta? Será um mundo civilizado, um mundo de Paz? Ou será um mundo que governantes imbecis, financiados por fabricantes de armas, transformarão em cenário de guerra? Como será o Brasil do amanhã? Um Brasil regido por padrões de Justiça Social, onde Mães deem filhos à luz com segurança, em hospitais públicos de excelente qualidade, confiantes do futuro, ou um país onde a Mãe, para livrar a criança da fome, aborta a vida nascente?
          Os avós não são importantes apenas no círculo da família. Exercem também um papel relevante na sociedade. Transmitem às gerações seguintes a experiência que a vida proporcionou. A experiência não é para ser guardada como bem individual. É patrimônio coletivo, como muito bem colocou o filósofo inglês Alfred Whitehead
          A aposentadoria é um direito assegurado por anos de trabalho, mas não tem de implicar, necessariamente, em encerramento de atividades. Pode apenas sinalizar redução de compromissos exigentes. São múltiplas as novas experiências possíveis. Que cada um encontre seu caminho. Que a sociedade não cometa o desatino de desprezar a sabedoria dos mais velhos.
          Quando me aposentei, por tempo de serviço, na magistratura e no magistério, fui tomado por uma crise de identidade. O vazio manifestou-se forte quando tive de preencher a ficha de entrada num hotel. Se estava aposentado como juiz e como professor, qual profissão me identificaria? "Ser ou não ser", eis a questão.  Shakespeare, pela boca de Hamlet, percebeu a tragédia humana antes de Freud.
Ah, sim. Já sei. E escrevi na ficha do hotel, resolutamente: Professor itinerante, autodefinição que me fixou um itinerário de vida pós-aposentadoria.
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João Baptista Herkenhoff é magistrado aposentado, Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo e escritor. Autor, dentre outros livros, de: Encontro do Direito com a Poesia (GZ Editora, Rio de Janeiro).
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