Texto: João Baptista Herkenhoff
Ninguém sabe
por quanto tempo ainda estará nesta vida terrena. Para que o mundo avance é
preciso que a experiência dos mais velhos seja transmitida aos mais jovens.
Estes colhem o que foi plantado e cultivam as sementes, aprimorando-as.
A obrigação
de transmitir às gerações seguintes as rotas palmilhadas abrange todas as
profissões, desde a de carpinteiro até a de médico, professor ou juiz.
Ainda no
início de sua carreira (1966), na Comarca de São José do Calçado (ES), o idoso,
ora depoente, determinou a matrícula compulsória de crianças na escola, mais
para pressionar os Poderes Públicos, que deveriam providenciar as vagas, do que
os pais. A medida gerou um aumento de 35% nas matrículas.
Com apoio da
comunidade, promoveu uma “Campanha da Cidadania Ampla” (1966-1970), consistindo
em registro civil de pessoas que não eram registradas, casamento civil,
carteira de trabalho, correção de prenomes grafados erroneamente etc.
Ainda em
Calçado concedeu direito de trabalho externo a presos. Com apoio de líderes
locais criou a Associação de Assistência aos Presos “Dona Mulatinha” que
mantinha uma escola primária, facilitava o trabalho dos presos e ajudava o
ex-preso no retorno à vida social.
Recusou-se a mandar os presos para cumprir pena na Capital, como era
legalmente previsto na época (1966). Argumentou que provocar o rompimento dos
vínculos do preso com a família inviabilizava qualquer possibilidade de
ressocialização. Um dos presos beneficiados por trabalho externo fugiu,
justamente na semana em que o juiz comparecia a órgão disciplinar da
magistratura para explicar as “concessões”. Antes que fosse julgado pela
“transgressão”, o fugitivo apresentou-se para ser recolhido, o que possibilitou
que não fosse de água abaixo a política humanitária que estava sendo
desenvolvida.
Trinta e
quatro anos após sua “insubmissão”, a ONU aprovou recomendação para que o preso
nunca fosse afastado do “distrito da culpa”.
Durante sua judicatura na comarca, o índice de reincidência criminal foi
de zero por cento.
Apresentou
moção em congresso nacional de magistrados (Goiânia, 1975), pedindo a volta do
“estado de direito”, a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte e a
“anistia ampla, geral e irrestrita”, moção que foi rejeitada mas que teve o
apoio de um grupo de colegas. Naquele momento da vida brasileira, o mais alto
tribunal do país era o Superior Tribunal Militar. À frente dos Ministros desse
tribunal, defendeu referida moção.
Por
atividades que eram inovadoras, sem que pretendesse ser profeta, teve a
incompreensão de superiores. Retém estes fatos na memória e os torna públicos
porque a História não se pode perder. Mas não guarda na alma qualquer mágoa ou
rancor.
João Baptista
Herkenhoff, 79 anos, é juiz de Direito aposentado (ES), professor e escritor.
E-mail:
jbpherkenhoff@gmail.com - Site: www.palestrantededireito.com.br
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