Na terça-feira (22/12/2015), bispos e padres das dioceses de Minas Gerais e Espírito Santo banhadas pelo Rio Doce se reuniram, em Mariana (MG), para discutir a situação desse curso d’água que foi atingido por toneladas de rejeitos de minério devido ao rompimento de uma das barragens da empresa Samarco, no dia 5 de novembro. A lama tóxica percorreu todo o curso do Rio Doce, causando destruição ao longo do caminho.
O grupo foi recebido pelo arcebispo metropolitano de Mariana, dom Geraldo Lyrio Rocha. A Diocese de Colatina foi representada pelo seu bispo, dom Joaquim Wladimir Lopes Dias, pelo coordenador de Pastoral, padre Joseumar Miranda da Silva, pelo ecônomo diocesano, Olmeris Antônio Auer, pelo presidente da Cáritas Diocesana, Amauri Brás Caser, e pelo padre Roberto Marcelino de Oliveira que é também o secretário executivo do Regional Leste 2 da CNBB (MG e ES).
Após algumas horas de debate, o grupo reunido em Mariana produziu uma declaração sobre essa tragédia socioambiental, destacando os prejuízos causados e cobrando uma atuação mais eficaz por parte da Samarco para minimizar os danos ao meio ambiente e às pessoas afetadas.
A seguir, confira a íntegra da declaração.
Declaração das Dioceses da Bacia do Rio Doce sobre a tragédia socioambiental causada pelo rompimento da barragem de Fundão
A tragédia provocada pelo rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, da Samarco Mineradora, controlada pela Vale e BHP/Biliton, no distrito de Bento Rodrigues, município de Mariana-MG, ocorrida no dia 5 de novembro, chocou o mundo. Os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, por um longo tempo, trarão as marcas desta tragédia cujas consequências ainda estão longe de ser mensuradas com precisão.
A vida de moradores do distrito de Bento Rodrigues e de trabalhadores da mineradora, bem como da fauna e da flora ao longo da bacia do Rio Doce, ceifada pela lama, não será esquecida jamais. O tsunami de rejeitos que levou impiedosamente os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana, afogou também a história e os sonhos de sua gente. O mesmo se diga do município de Barra Longa que pranteia a destruição de comunidades rurais e do centro de sua cidade, agora invadido por máquinas provocando situações de desconforto nunca imaginadas.
O Rio Doce agoniza sob o olhar indignado de seus cuidadores, impotentes diante de tamanha tragédia. Dói constatar o comprometimento de seus afluentes, a morte de seus peixes, a poluição de suas águas e a incerteza de que volte a ser fonte de subsistência para as populações e a natureza. Esta tragédia feriu de morte o meio ambiente, “bem coletivo, patrimônio de toda a humanidade” (LS, 95).
Pensamos nas populações dos municípios atingidos nos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo que vivem situação de morte por causa desta tragédia, seja pela falta de água ou por sua qualidade comprometida; nos pescadores, que ficaram sem sua fonte de renda e sem perspectiva de que um dia possam retomar suas atividades; nos índios Krenak, cuja relação com as águas do Rio Doce é carregada de cultura e religiosidade; nos agricultores que tiravam da terra, regada pelas águas do Rio Doce, sua sobrevivência.
Diante disso, as dioceses da Bacia do Rio Doce – Mariana, Itabira/Coronel Fabriciano, Caratinga, Governador Valadares e Colatina -, juntamente com a Comissão de Meio Ambiente da Província Eclesiástica de Mariana, Caritas Brasileira Regional Minas e Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), reunidas em Mariana-MG, no dia 22 de dezembro de 2015, manifestam-se inequivocamente do lado dos atingidos. Defender seus direitos e cuidar para que se lhes faça justiça será nossa tarefa permanente.
O momento é de unir esforços em favor dos atingidos e do pleno restabelecimento socioambiental, contudo, sem assumir compromissos e responsabilidades que competem aos causadores da tragédia. Por isso, é urgente apurar as causas do rompimento da barragem, identificando e responsabilizando os culpados, cuidando para que não haja impunidade nem conivência com o ilícito, e que os direitos dos atingidos sejam garantidos.
Passada a situação emergencial, as negociações se voltem para a compensação, reparação e indenização dos atingidos e a recomposição da bacia do Rio Doce. Insistimos que tudo seja feito coletivamente, respeitando-se o protagonismo dos atingidos que devem participar de todas as decisões que lhes dizem respeito. Exortamos os atingidos a se unirem a fim de que se constituam numa força para resistirem neste longo e penoso processo de reconstrução de suas vidas.
Esta tragédia enseja repensar o atual modelo de desenvolvimento em andamento no país que coloca o lucro acima de tudo, desconsiderando a vida humana e a do planeta. A atividade mineradora pode até trazer boa arrecadação aos municípios em que é realizada, mas é imperioso perguntar: a que preço? Não sejamos ingênuos, “o ambiente é um dos bens que os mecanismos do mercado não estão aptos a defender ou a promover adequadamente” (Pontifício Conselho Justiça e Paz – CDSI, 470). Urge “pensar também em diminuir um pouco a marcha, pôr alguns limites razoáveis e até mesmo retroceder antes que seja tarde” (LS 193). Não é possível mais viver sob a asfixiante corrida do consumismo alimentado por uma economia que faz do dinheiro um ídolo diante do qual todos se ajoelham.
Rever as políticas de mineração no país é inevitável. Aos parlamentares cabe esta irrenunciável tarefa que deve ser assumida na perspectiva do bem comum e jamais de interesses particulares ou de grupos que detêm o poder econômico. Que a sociedade civil organizada seja ouvida e levada a sério na elaboração do novo código de mineração em tramitação no Congresso Nacional. Os órgãos de fiscalização e controle social cumpram seu papel sem ceder à tentação da corrupção ou a qualquer tipo de pressão.
As autoridades competentes não se omitam no compromisso de fazer justiça às pessoas e à ecologia. Os meios de comunicação social, fiéis ao seu dever de informar com verdade e ética, não cedam ao poder econômico que corrompe nem à tentação de fazer da tragédia um espetáculo que deforma. Os Movimentos Sociais e as Organizações Não Governamentais empunhem a mesma bandeira da solidariedade e da justiça em prol dos atingidos e do meio ambiente a ser recuperado. As Igrejas cristãs, no contexto da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016, coloquem-se a serviço desta causa, motivadas unicamente pela força do evangelho que nos manda amar sem medida, fazendo-nos próximos uns dos outros. Nossas comunidades apoiem e favoreçam a organização e articulação dos atingidos, inclusive de grupos e movimentos que os assessoram.
Confiantes na proteção de Deus e na intercessão de Nossa Senhora, e comprometido com a esperança afirmamos: “somos afligidos por todos os lados, mas não vencidos pela angústia; postos em apuros, mas não sem perder a esperança; derrubados, mas não aniquilados” (2Cor 4,8.9b).
Mariana, 22 de dezembro de 2015
Dom Geraldo Lyrio Rocha
Arcebispo da Arquidiocese de Mariana-MG
Dom Antônio Carlos Felix
Bispo da Diocese de Governador Valadares-MG
Dom Emanuel Messias de Oliveira
Bispo da Diocese de Caratinga-MG
Dom Joaquim Wladimir Lopes Dias
Bispo da Diocese de Colatina-ES
Dom Marco Aurélio Gúbioti
Bispo da Diocese de Itabira/Coronel Fabriciano
Fonte: www.diocesedecolatina.org.br
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